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Marco Legal do Câmbio e Royalties e a OCDE

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Marco Legal do Câmbio e Royalties e a OCDE

26/04/2022 / Publicações / POSTADO POR Portal Valor

Em 30 de dezembro de 2021, ao publicar a Lei nº 14.286/21, o Brasil adotou mais um passo importante para o seu processo de admissão como Estado Membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A nova legislação traz diversas alterações ao sistema cambial, tornando mais flexível e fluído o ingresso e a saída de recursos do país.

Uma das inovações mais bem recebidas pelo mercado foi a eliminação das restrições relativas às remessas de royalties por filiais ou subsidiárias brasileiras em favor de suas sócias residentes no exterior. Atualmente, as despesas relacionadas a remessas de royalties realizadas por empresas brasileiras a sócias estrangeiras são dedutíveis para fins de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da pessoa jurídica, desde que não ultrapassem percentuais entre 1% a 5% da receita líquida dos produtos fabricados ou vendidos no Brasil. Esses limites são utilizados também pelo Banco Central para limitar as remessas para matrizes ou empresas controladoras no exterior.

Os efeitos econômicos da liberalização do fluxo de recursos só serão atingidos se houver a modernização da legislação tributária

Historicamente, a restrição ao fluxo de royalties teve como objetivo estimular o desenvolvimento de tecnologia local e restringir a saída de recursos do país a título de importação de propriedade intelectual. Todavia, com maior frequência, as necessidades do mercado (que ainda apresenta uma exigência importante de consumo de tecnologia externa) combinadas com os regimes cambial e fiscal brasileiro, resultam em onerosidade tributária excessiva para os grupos multinacionais operantes no Brasil. Esse impacto decorre primordialmente do descompasso entre a legislação fiscal brasileira e o regime de preços de transferência estabelecido pela OCDE, aplicado pela maioria dos parceiros comerciais brasileiros.

Com efeito, os limites de dedutibilidade no Brasil podem ser incoerentes com os requisitos de receita mínima aplicáveis às sócias ou controladoras estrangeiras, exportadoras de tecnologia e propriedade intelectual. Enquanto a dedutibilidade no Brasil está restrita à aplicação, sobre a receita líquida, de históricos percentuais fixos com base no ramo de atividade e propriedade intelectual licenciada, a maior parte das legislações estrangeiras adota as diretrizes da OCDE e, portanto, determinam a alocação do lucro com base nos riscos e funções assumidos por cada empresa do grupo econômico.

Isso significa, sob a perspectiva prática, que enquanto a subsidiária brasileira, usuária da propriedade intelectual, tem a dedutibilidade limitada entre 1% e 5% da receita líquida por força da legislação nacional, a sócia estrangeira pode ser compelida a realizar uma adição fiscal em sua jurisdição de residência, em virtude da importância de suas funções e riscos para o desenvolvimento ou detenção da tecnologia, marca ou conhecimento, acrescendo sua base tributável sem ter reconhecido receita correspondente. Nesse cenário, uma parcela do lucro do grupo multinacional sofre tributação tanto no Brasil quanto na jurisdição de residência da sócia estrangeira, resultando em dupla tributação.

Esse impacto econômico poderia ser neutralizado por meio da aplicação de tratados para evitar a dupla tributação. Todavia, o Brasil ainda não possui tratados em vigor com parceiros comerciais importantes, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Ademais, como agravante, nos tratados em que é parte, o Brasil não adota a redação do artigo 9º nos moldes sugeridos pela Convenção Modelo da OCDE.

Por meio do artigo 9º, os Estados contratantes se comprometem a conceder ajustes fiscais nos cenários em que a aplicação unilateral das legislações domésticas de preços de transferência resulta em dupla tributação sobre uma parcela ou a totalidade do rendimento. Entretanto, o Brasil não incluiu em seus tratados essa disposição sobre o ajuste correspondente para evitar a dupla tributação. De certa forma, essa discrepância inclusive motivou em 2005 a denúncia, pela Alemanha, do tratado até então existente entre os dois países.

Com uma legislação doméstica desatualizada e na ausência do auxílio dos tratados para evitar a dupla tributação, os grupos multinacionais invocam a atual limitação cambial existente no Brasil, aplicável à remessa de royalties, como argumento para auxiliar na defesa contra a imputação de receita para fins tributários no país de residência da matriz ou controladora. Porém, com a flexibilização cambial e permissão de remessa de royalties em valores superiores aos limites fiscais, esse argumento deixa de existir.

Nesse contexto, a Lei nº 14.286/21 trará, no âmbito tributário, duas possíveis consequências: (i) possível contencioso fiscal sobre a possibilidade de dedução de despesas de royalties sem a observância dos limites estabelecidos pela Receita Federal, ou (ii) uma harmonização do sistema tributário como próximo passo essencial.

Os efeitos econômicos da liberalização do fluxo de recursos, principalmente em relação ao pagamento de royalties ao exterior, só serão plenamente atingidos se houver, também, a modernização da legislação tributária brasileira. Isso inclui não só os ajustes necessários à legislação doméstica, como também a ampliação e atualização da rede de tratados. O Marco Legal do Câmbio entrará em vigor em 30 de dezembro de 2022. Ainda há tempo para o estudo e publicação da correspondente harmonização tributária. 

*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.  


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