Explosão de reclamações ao STF é sintoma do desrespeito à cultura de precedentes
Lindora Araújo (subprocuradora federal), Maria Thereza de Assis Moura (presidente do STJ), Rosa Weber (presidente do STF), Alexandre de Moraes (presidente do TSE) e Lélio Bentes Corrêa (presidente do TST) em evento em que se discutiu precedentes.
Rosinei Coutinho/SCO/STF
O estabelecimento de uma cultura de precedentes inaugurada pela reforma do Judiciário de 2004, e imposta pelo Código de Processo Civil de 2015, ainda é um dever não cumprido pelos tribunais e magistrados brasileiros. E há um fenômeno concreto que comprova isso: a explosão de ajuizamentos de reclamações constitucionais, com a ampliação de seu cabimento.
A reclamação é o instrumento que permite ao Supremo Tribunal Federal preservar sua competência e garantir a autoridade de suas decisões, sempre que a corte for informada pelas partes de algum desrespeito ou descumprimento.
Entretanto, para um sistema que tem como norte a busca da segurança jurídica e da celeridade processual pela uniformização das decisões, o diagnóstico quanto ao uso da reclamação é desanimador. Trata-se da terceira classe processual mais numerosa aguardando julgamento no Supremo: exatamente 10% dos 21,9 mil casos no acervo.
Reclamações no STF
Ano Recebidas
2006 848
2007 894
2008 1.684
2009 2.262
2010 1.301
2011 1.856
2012 1.895
2013 1.894
2014 2.375
2015 3.273
2016 3.283
2017 3.326
2018 3.467
2019 5.789
2020 6.576
2021 5.882
2022 5.899 (até 2/12)
Nos 334 dias somados em 2022 até sexta-feira (2/12), o Supremo recebeu 5.899 reclamações. A média diária é de 17,6 processos. Até hoje, apenas 2020 — o ano do início da epidemia da Covid-19 — foi mais movimentado. E esse volume processual todo é uma espécie de efeito colateral das transformações implementadas no Judiciário.
O primeiro boom de reclamações, não à toa, ocorreu no ano seguinte ao da implementação da sistemática da repercussão geral, filtro recursal criado pela Emenda Constitucional 45/2004. De 2007 para 2008, o número de reclamações praticamente dobrou. E, em 2009, subiu outros 35%.
"Já houve uma grande efetividade das alterações (da EC 45/2004), mas nesses 18 anos não andamos como deveríamos ter andado em relação a efetividade, celeridade e respeito aos precedentes. Há necessidade de reforço de mentalidade. Infelizmente, isso é constatado pelo alto número de reclamações recebidas", disse o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
A declaração foi dada na última quarta-feira (30/11), no evento anual sobre precedentes qualificados organizado em conjunto por STF e Superior Tribunal de Justiça. "Infelizmente, ainda há inúmeras decisões que simplesmente ignoram precedentes, como se não existissem. Temos de trocar a vaidade pela efetividade das decisões", disse ministro, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
No mesmo evento, o ministro Luís Roberto Barroso, também do STF, classificou a possibilidade de propositura ampla de reclamações contra decisões que contrariam pronunciamentos dos tribunais como a consequência prática mais importante da ascensão dos precedentes.
"Na medida em que se criam precedentes vinculantes, a grande vantagem é que, se a decisão não for respeitada, você pode, per saltum (pulando etapas), chegar ao STF para fazer valer a jurisprudência. Hoje já conseguimos reduzir o acervo de recursos. Mas agora estamos nos debatendo com a proliferação das reclamações."
Muitas vezes, a reclamação é o único caminho, como ressaltou o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin, ao destacar que mesmo as decisões da instância máxima do Poder Judiciário são desafiadas por juízes e tribunais.
"Há um dever não inteiramente cumprido pelos tribunais superiores na configuração do Judiciário estabelecida pela Constituição. Esse dever diz respeito à uniformização da prestação jurisdicional em âmbito nacional e à produção de confiança na Justiça", afirmou Fachin.
Para Barroso, aumento das reclamações é consequência da ascensão dos precedentes.
*O texto reflete a opinião dos autores e não representa o LexUniversal.